Os três estágios da santificação
A Santificação nasce oportunamente na regeneração
Destaca-se neste estágio uma alteração moral específica ocorrida em nossas vidas no momento de nossa regeneração, conforme escreve Paulo a Tito (3.5): “... nos salvou pela lavagem da regeneração...” Esta providência (novo nascimento), notadamente do Espírito Santo, define em nossas vidas o momento em que passamos a adotar um comportamento impeditivo da continuidade pecaminosa, como se o pecado continuasse em nossas vidas na qualidade de hábito ou na forma de um padrão de vida: “...Qualquer que é nascido de Deus não comete pecado...” (1Jo 3.9).
Neste estágio, o poder que opera em nós, nos motiva a busca de um caminho para nos conduzirmos, que aponte para outro destino que não a satisfação da carne.
Deste conceito, podemos depreender uma certa semelhança entre a regeneração e a santificação, porquanto é reconhecível o fato de que a santificação, num estágio avançado ou mesmo último da regeneração, participa desta, mas quando a regeneração é classificada como mudança moral interior, então, pode ser identificada como a primeira parte da santificação.
A consideração de 1Coríntios 6.10,11 ilustra satisfatoriamente a questão das fases pelas quais passa aquele que aderiu à fé cristã e sofreu a mutação interna e externa promovida pela ação espiritual. O trecho descreve uma situação passada de intermináveis dissoluções, as quais podem ser assemelhadas às impurezas das pessoas e objetos que careciam ser purificados para serem inseridos na liturgia do Tabernáculo. (v.10).
O versículo 11 expõe minuciosamente as etapas do processo salvífico, iniciando-se pela lavagem simbólica das impurezas pecaminosas havidas no homem (a regeneração – Tt 3.5), etapa que alude a dois sinais de purificação especificados no Novo Testamento, quais sejam, a água (batismo – Hb 10.22) e o sangue (fé – Ap 7.14) e que, como já visto, refere-se à iniciativa humana como resposta ao chamado eficaz.
A segunda etapa é a da santificação, contendo todas as suas nuanças e implicações. Trata-se da mudança contínua operada por Deus em nós.
Paulo ainda discorre sobre este período da santificação que é observado como fase da regeneração em Romanos 6 (v.v.11, 14 e 18). O discurso paulino exorta os que se acham arrolados na igreja para que não exerçam mais atividades pecaminosas, portando-se como se estivessem mortos para elas, buscando uma nova vida e prática, das quais deriva a servidão ativa ao Senhor (v.v. 11 e 14). Nesta fase da santificação, ato contínuo da regeneração, o apóstolo Paulo esclarece que já não deve haver lugar para escravidão do pecado.
Numa consideração especial ao versículo 14, vemos que o advento da graça isola o crente tanto da servidão da Lei quanto da servidão ao pecado, e isto no sentido de que a exterioridade do culto sacrificial apenas denunciava a invencível fragilidade ante sua própria natureza.
Assim, com a resposta positiva do homem ao chamado divino, tem início o plano salvífico no que concerne à ação sobrenatural e exclusiva de Deus.
O versículo 18 parece apresentar-nos um paradoxo, por nos arremeter ao questionamento sobre a ocorrência de uma libertação que redunda noutro estado de servidão: “E libertados do pecado...” O sentido espiritual mais vil de servidão é o que se retrata na parte “a” do versículo, isto é, aquele que revela o envolvimento (nato) do impuro com toda sorte de impureza (1Co 6.10).
Já a parte “b” do versículo 18, “... fostes feitos servos da justiça...” distingue uma modalidade de servidão que, contrariamente ao que ocorre no caso da escravidão do pecado, da qual o homem não consegue, por si só, se desvencilhar, é adotado pelo homem que tem regozijo na condição de “prisioneiro” de Cristo (Fl 1.1), entretanto, manifestamente livre, posto que este último estado não está imposto por Deus para o homem, mas é admitido e desejado pelo converso por amor a Deus.
“Morrer” para o pecado é, resumidamente, comunicar à consciência a fé que desencadeará o arrependimento fazendo cessar pela mudança dos valores antigos (regeneração), a prática do pecado, fornecendo condições ao Salvador de cooperar com o homem em seu contínuo processo de santificação. Mantêm-se, a priori, um status de escravo, mas o Senhor é outro.
Duas verdades emanam dessa situação: A primeira define que fica vetado ao regenerado pela fé, a declaração que admita a respeito dele mesmo: “Estou completamente livre do pecado...”, uma vez que, como já especificado, o processo de santificação é contínuo e inexaurível.
Não obstante, uma segunda verdade deve ser considerada. Não se verá, como doutrinariamente correto, o testemunho do regenerado cristão que afirmar: “Este (ou aquele) pecado me derrotou...” ou ainda: “Tenho 30 anos e meu temperamento sempre foi desagradável, mas será assim até minha morte e as pessoas têm de me aceitar como eu sou...”
A admissão de tais situações implica em que o declarante, indiretamente, afirme ter sucumbido ao poder do pecado em sua vida.
A Santificação sofre aprimoramento contínuo
O fato de o Novo Testamento precisar a ocasião na qual a santificação tem início, igualmente ensina, como já dantes dito, que ela é procedida por todo o decorrer de nossas vidas, enfatizando que este é o conceito que prevalece nas escolas teológicas atuais.
Ainda em consideração às palavras de Paulo destacadas no item anterior sobre Romanos 6 (a libertação do pecado), é certo que ele continuará assombrando nossa alma, dada a natividade do mesmo como característica arraigada na carne, mas isso não pode servir para justificar uma intensa vida de pecados.
Em oposição à velha vida, a partir da regeneração, o homem de Deus deve procurar crescer em santificação, tal qual buscava o crescimento no pecado quando vivia segundo os rudimentos mundanos, conforme assevera Paulo: “...assim como apresentastes os vossos membros para servirem à imundícia, e à maldade para a maldade, assim apresentai agora os vossos membros para servirem à justiça e para a santificação” (Rm 6.19).
A gramática grega, quando analisada nesta passagem, esclarece que nos termos...assim ... como..., ;...assim... e...agora..., [gr. hosper... houtos], Paulo queria que aqueles que haviam aderido ao Caminho fizessem por uma vida de santificação o mesmo que faziam por uma vida de pecados.
Em 2Coríntios 3.18 Paulo rememora essa idéia e destaca a contínua transformação à qual somos submetidos para efetiva santificação. A semelhança ocorre de forma gradual para que, com o progresso do caráter, passemos a nos assemelhar cada vez mais com o Cristo histórico.
Aos filipenses (3.13,14), Paulo reconhece que ainda não havia atingido a perfeição (por assim dizer) de uma vida plenamente santificada, mas que prosseguia em sua caminhada na busca do prêmio que adviria de sua dedicação à obra e do aprimoramento constante da santificação.
O autor da epístola aos hebreus não destoa dos conceitos já observados, deixando aos seus leitores orientações para que deixassem “... todo embaraço e o pecado que tão de perto nos rodeia e corramos, com paciência, à carreira que nos está proposta”, concluindo seu pensamento sobre a santificação apresentando a necessidade de uma constante busca pela santificação, o que norteia os requisitos para que o homem possa ver a Deus (Hb 12.1,14).
A religiosidade nominal que normalmente se constata na postura dos romanistas é criticada por Tiago (1.22), que acerca da conduta genuinamente cristã adverte: “E sede cumpridores da palavra e não somente ouvintes...”.
Desse modo, não resta carência para que se relacione um infindável número de versículos, já que a maioria do conteúdo do Novo Testamento presta-se à exortação do crescimento na fé, tendo em conta que a escrituração dos volumes neotestamentários pelos seus autores visava, da parte de Deus em primeiro plano, o crescimento espiritual retratado na santificação que fosse observado no caráter interno do homem e refletido externamente em suas atitudes.
Santificação na morte (para a alma) e no Arrebatamento da Igreja (para o corpo)
Tornando a comentar que a santificação não se completa nesta vida, dada a realidade da natividade do pecado que habita em nossa carne, sendo, portanto, intrínseco a ela, (1Jo 1.8), aprendemos, por conseguinte, que tendo sido vitimados pela morte material (do corpo) passamos (os que creram pela fé) a estar com o Senhor (Lc 23.43, Jo 14.3), por conseqüência de uma libertação da parte corrupta e corruptora (carne), visto que neste estágio (morte) a alma, isto é, o homem propriamente dito, é aperfeiçoado na santidade.
Outra participação do escritor aos hebreus revela que na oportunidade da morte, nos unimos aos espíritos dos justos aperfeiçoados; tornados perfeitos (em santidade). Essa afirmação é extremamente oportuna quando associada ao texto joanino de Apocalipse (Ap 21.27), já que não haveria qualquer harmonia no plano celeste, caso as Escrituras dessem oportunidade de estarem almas impuras no ambiente santo da presença divina, pois ressalta: “E não entrará nela coisa alguma que contamine, e cometa abominação e mentira,...”.
Mesmo assim, não podemos desconsiderar que a operação da santificação envolve a pessoa em sua plenitude e não somente a alma (1Ts 5.23), condicionando-nos a duas oportunidades nas quais a santificação, na sua forma plena, se completará em nós, quais sejam, na ressurreição ou no arrebatamento da Igreja de Cristo.
Paulo e João são grandes expositores dessa verdade, tanto para os que já dormem no Senhor quanto para aqueles que ainda aguardam “as bodas do Cordeiro” aprisionados na vil natureza da carne (Fp 3.21; 1Jo 3.2).
Se considerarmos um caso extremo, idealizando uma pessoa que, já convertida, não se interessa pelos elementos que produzem santificação, antes, recebe uma instrução pós-conversão deficitária, possui uma comunhão pobre e é neófito quanto às Escrituras e abstém-se da oração, ela acaba por usufruir quase que nenhum progresso na santificação no decorrer de sua vida. Obviamente que este não é o caráter nem o comportamento esperado de uma pessoa que reconheceu em Cristo sua salvação, o qual deveria indiscutivelmente conduzir sua fé pelos princípios e admoestações da Palavra de Deus.
Faculdade ICP
Pastor Muller