A regra fundamental da hermenêutica bíblica
Em todo o documento de caráter oficial, há sempre pontos obscuros que são solucionáveis apenas a partir do seu próprio conteúdo. Quanto á Bíblia, é indispensável que seus pontos obscuros sejam resolvidos pela própria Bíblia: Scriture sacre sui ipsius interpres - A Sagrada Escritura se interpreta a si própria.
Observe em Gênesis 3 que o primeiro intérprete da Bíblia foi Satanás, dando à Palavra de Deus um significado diferente, distorcendo a verdade com astúcia. Posteriormente, o mesmo inimigo falseia o sentido da Palavra escrita, omitindo uma parte e citando só o que lhe convém.
“Ora. a serpente era mais astuta que todas as alimárias do campo que o SENHOR Deus tinha feito. E esta disse à mulher: E assim que Deus disse: Não comereis de toda a árvore do jardim? E disse a mulher à serpente: Do fruto das árvores do jardim comeremos, mas do fruto da árvore que está no meio do jardim, disse Deus: Não comereis dele, nem nele tocareis para que não morrais. Então a serpente disse à mulher: Certamente não morrereis. Porque Deus sabe que no dia em que dele comerdes se abrirão os vossos olhos, e sereis como Deus, sabendo o bem e o mal*’ (Gn 3.1-5).
Algumas pessoas têm sido instrumentos do inimigo para enganar a humanidade com falsas interpretações das Escrituras. Ao conhecer essas interpretações particulares, o cristão deve persistir em que a primeira e fundamental regra da correta interpretação bíblica deve ser: a Escritura explicada pela Escritura, a Bíblia se interpreta a si própria.
Quanto à ignorância (atitude involuntária) ou violação (atitude voluntária c consciente) da regra fundamental, alguns têm encontrado aparente apoio nas Escrituras para cometer erros capitais. Ao fixar-se em versículos e palavras tiradas de seu contexto e não deixando a Escritura explicar-se a si mesma, os judeus encontram aparente apoio no Antigo Testamento para rejeitar Jesus Cristo, o Messias e Salvador. A mesma atitude pode ser vislumbrada sem diiculdades entre as inúmeras religiões e seitas existentes em nosso mundo contemporâneo.
Algumas pessoas, por falta de esclarecimento, chegaram à conclusão de que, com a Bíblia, podem provar o que quiserem. A indiferença, a incredulidade, a preguiça de estudar a Bíblia, a aceitação de idéias falsas e mundanas e a ignorância de toda a regra de interpretação norteiam este comportamento.
Ao contrario disso, o discípulo humilde e douto na Palavra sabe que a “a lei do Senhor é perfeita” e que não há erro na Palavra de Deus. E aqueles que seguirem o método reprovável de extrair ou inserir algo às Sagradas Letras hão de colher a devida punição: “Porque eu testifico a todo aquele que ouvir as palavras da profecia deste livro que, se alguém lhes acrescentar alguma coisa. Deus fará vir sobre ele as pragas que estão escritas neste livro. E, se alguém tirar quaisquer palavras do livro desta profecia, Deus tirará a sua parte do livro da vida, e da cidade santa, e das coisas que estão escritas neste livro (Ap 22.18,19).
“Nenhuma profecia da Escritura provém de particular elucidação”, afirma Pedro; e Jesus nos exorta a examinar as Escrituras para encontrarmos nela a verdade, e não interpretá-la para estabelecermos a verdade segundo a vontade do homem.
Os eminentes escritores da Antiguidade já afirmavam que as Escrituras constituem-se em seu melhor intérprete. Compreende-se a Palavra de Deus melhor comparando o espiritual com o espiritual, isto é. a Escritura pela Escritura: “As quais também falamos, não com palavras de sabedoria humana, mas com as que o Espírito Santo ensina, comparando as coisas espirituais com as espirituais” (1 Co 2.13).
Portanto, é indispensável observar a referida regra das regras. A saber: A Bíblia inter- preta-se a si mesma. E devemos aceitar isso se não quisermos assumir uma posição errônea e atrair sobre nós a maldição que a própria Escritura sentencia contra os falsificadores da Palavra. Esta regra fundamental é que abrirá o campo para outras regras específicas e bíblicas, cuja exposição faremos em nosso próximo capítulo.
Outras regras importantes da hermenêutica bíblica
Primeira regra
Os cristãos devem ter a consciência de que os escritores das Escrituras Sagradas escreveram com a finalidade de deixar uma mensagem clara ao povo de Deus e ao mundo. Para isso, eles usaram palavras conhecidas e entendíveis pelo povo em geral. A garantia de ser uma mensagem clara está no fato de que a Bíblia tem muitos recursos internos, a ponto de explicar as passagens tidas como obscuras. Daí nasce a primeira regra:
E indispensável, o quanto seja possível, tomar as palavras em seu sentido usual e ordinário.
Faremos três considerações sobre esta regra.
Vejamos:
Como se pode notar, trata-se de uma norma suficientemente clara e simples, mas de grande importância. Ignorar este princípio, ou violar o estabelecido, só conduzirá a interpretações cegas e orgulhosas. Veja um exemplo de deslize causado pela violação desta regra:
“Todas as ovelhas e bois, assim como os animais do campo, as aves dos céus, e os peixes do mar. e tudo o que passa pelas veredas dos mares” (SI 8.7,8). As menções de “ovelhas” e “bois” (v.7), para alguns curiosos, são interpretadas como sendo os crentes, e os “peixes do mar” (v.8) são tidos como sendo os incrédulos. Este é um exemplo de erro corriqueiro que poderia ser evitado simplesmente considerando-se o sentido usual e comum das palavras referidas.
Deve-se, portanto, observar o cuidado e equilíbrio na atribuição dos sentidos das expressões, pois nem sempre se deve levar “ao pé da letra” uma determinada sentença. E obrigação do intérprete lembrar que cada idioma tem seus modos próprios e peculiares de expressão que, ao serem traduzidos literalmente, podem perder seus sentidos reais e verdadeiros. Vejamos um exemplo:
“Portanto, se o teu olho direito te escandalizar, arranca-o e atira-o para longe de ti; pois te é melhor que se perca um dos teus membros do que seja todo o teu corpo lançado no inferno” (Mt 5.29). Como poderíamos entender esta declaração? Se fôssemos interpretar esta declaração de modo literal (“ao pé da letra”) não haveria no mundo homem com o olho direito. O que Jesus queria ensinar com esta declaração é que é vantajoso sacrificar algo com o objetivo de obedecer à vontade de Deus.
Como todo idioma tem seus próprios modismos, com significações específicas, assim o povo hebreu se caracterizou por seus abundantes modismos que influenciaram fortemente a literatura e a teologia do mundo ocidental. Por esses motivos, o tratamento dos hebraísmos mereceria um tema à parte, porém, aqui, faremos menção de apenas alguns exemplos. Recomendamos pesquisa mais extensa nos livros citados na referência bibliográfica desta disciplina. Vejamos:
) Em Gênesis 6.12, segundo a versão revista e corrigida, está escrito: “Porque toda carne havia corrompido o seu caminho sobre a terra”. No seu sentido literal, as palavras carne e caminho fazem perder completamente o significado do texto. Entretanto, tendo em conta o seu sentido usual como figura, carne passa a significar pessoa e caminho, costume, modo de proceder ou religião, devolvendo, assim, a possibilidade de interpretação.
) Em Lucas 14.26, Jesus disse: “Se alguém vier a mim, e não aborrecer a seu pai. e mãe, e mulher, e filhos, e irmãos, e irmãs, e ainda também a sua própria vida, não pode ser meu discípulo". Uma interpretação literal deste versículo violenta o princípio e a prática do amor ao próximo e ao inimigo pregados pelo próprio Jesus no sermão da montanha. Mas aplicando o usual hebraísmo, chega-se à conclusão de que aqui se trata de dar preferência a Deus em detrimento da família.
Segunda regra
Tanto na literatura secular quanto na linguagem bíblica existem palavras que variam muito em seu significado, dependendo do sentido da frase ou do argumento de que se trata. Assim, é importante indagar qual é o pensamento específico do escritor para determinar o sentido viável da palavra que deve ser interpretada. Logo, a segunda regra diz:
E fundamental tomar as palavras no sentido que indica o conjunto da frase, isto é, o versículo biblico.
Ao analisarmos esta regra, comprovaremos a variação de palavras muito importantes numa frase, texto ou versículo da Bíblia. Vejamos:
) O termo salvação e seus derivados são empregados, com freqüência, no sentido de salvação do pecado com suas conseqüências. Todavia, em Atos 7.25 se lê que “E ele (Moisés) cuidava que seus irmãos entenderiam que Deus lhes havia de dar a salvação pela sua mão; mas eles não entenderam”. Pelo conjunto do versículo, compreende-se que, aqui, salvar significa uma libertação temporal.
) “Porque a nossa salvação está agora mais perto de nós do que quando aceitamos a fé”. (Rm 13.11). Nesta declaração, salvação significa o retomo de Cristo.
) “Como escaparemos nós, se não atentarmos para uma tão grande salvação" (Hb 2.3). Pelo conjunto do texto, salvação aqui significa toda a revelação do evangelho.
Atente para o fato de que esta ocorrência é comum com outras palavras também.
Otermo sangue, por exemplo, igualmente vai depender do conjunto de frases escritas pelo autor. Ao falar da crucificação de Cristo, os judeus disseram:
) “Caia sobre nós o seu sangue, e sobre nossos filhos*’ (Mt 27.25). Direcionados pelo conjunto da frase, concluímos que sangue aqui significa a culpa e suas conseqüências por matar um homem justo.
) “Em quem temos a redenção pelo seu sangue, a remissão das ofensas, segundo as riquezas da sua graça'- (Ef 1.7) e “Sendo justificados pelo seu sangue, seremos por ele salvos da ira1' (Rm 5.9). Pelo conjunto das frases, a palavra sangue aqui refere-se à morte expiatória de Cristo na cruz.
Terceira regra
Nem sempre é suficiente estudar apenas o conjunto de uma frase para determinar o verdadeiro sentido de certas palavras. Neste caso, é necessário observar um versículo ou vários versículos que antecedem (anteriores) e sucedem (posteriores) o texto para encontrar a expressão obscura e os elementos esclarecedores que há no contexto. Resumindo, a terceira regra diz:
E essencial tomar as palavras no sentido indicado no contexto, isto é, os versículos que antecedem e seguem o texto que se investiga.
No contexto, achamos expressões, versículos ou exemplos que nos esclarecem e definem o significado da palavra obscura.
) Paulo disse: “Por isso, quando ledes, podeis perceber a minha compreensão do mistério de Cristo” (Ef. 3.4). Verificando os versículos anteriores e posteriores, conclui-se que o termo mistério refere-se à participação dos gentios nos benefícios do evangelho. Em outros versículos, a mesma palavra pode ter sentido diferente.
) “Quando éramos menores, estávamos servilmente sujeitos aos rudimentos do mundo” (G1 4.3,9-11). Os versículos posteriores a este nos explicam que rudimentos são as práticas dos costumes judaicos.
Em algumas circunstâncias, é possível encontrar no contexto o esclarecimento de uma palavra obscura por meio do sinônimo ou ainda pelo seu antônimo. Por exemplo, o termo “aliança”, empregado em Gálatas 3.17, se explica pelo vocábulo promessa, que aparece no final do mesmo versículo. Veja: “Mas digo isto: Que tendo sido a aliança anteriormente confirmada por Deus em Cristo, a lei, que veio quatrocentos e trinta anos depois, não a invalida, de forma a abolir a promessa”.
Os termos “arraigados” e “edificados” mencionados em Colossenses 2.7 são explicados
pela expressão confirmados na fé, que vem em seguida: “Arraigados e edificados nele, e confirmados na fé, assim como fostes ensinados, nela abundando em ação de graças”.
As vezes, uma palavra que expressa uma idéia geral e absoluta deve ser tomada num sentido restrito, segundo determine alguma circunstância especial do contexto, ou melhor, o conjunto das declarações em assuntos de doutrina. Observe isto tendo como parâmetro a declaração de Davi: “Julga-me, Senhor, segundo a minha retidão, e segundo a integridade que há em mim” (SI 7.8). Pelo contexto, entende-se que Davi só proclama sua retidão e integridade em oposição às calúnias que Cuxe, o benjamita, levantara contra ele.
Ainda é necessário esclarecer que a regra do contexto não se limita apenas a uma frase. De fato, o tratamento do contexto pode tanto ser muito pequeno como pode ser muito abrangente. O contexto, neste sentido, é gradativo. Veja:
Palavra —» Frase —> Capítulo —>Livro —> Bíblia
O importante é conseguir demarcar os limites necessários para a descoberta do significado no texto a ser interpretado.
Quarta regra
No caso da ausência de outros recursos elucidativos, acrescenta-se esta regra para facilitar o domínio interpretativo da Palavra de Deus. A quarta regra expressa o seguinte:
E importante considerar o objetivo ou desígnio do livro ou passagem em que ocorrem as palavras ou expressões obscuras.
1.0 objetivo ou desígnio de um livro ou passagem se adquire lendo-o e estudando-o com seriedade, repetidamente, sempre tendo em consideração em que ocasião, para qual pessoa e em que língua foi originalmente escrito. Em alguns casos, o objetivo do livro encontra-se registrado em suas próprias páginas. Por exemplo:
) Um dos objetivo de toda a Bíblia encontra-se expresso assim:
“Porque tudo o que dantes foi escrito, para nosso ensino foi escrito, para que pela paciência e consolação das Escrituras tenhamos esperança” (Rm 15.4; V. tb. 2Tm 3.16,17).
) O objetivo dos evangelhos pode ser explicado pelo seguinte texto:
“Estes, porém, foram escritos para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais vida em seu nome” (Jo 20.31).
) O objetivo de Pedro encontra-se em 1 Pedro 3.2, o de Provérbios em Provérbios 1.1-4 etc.
Um estudo diligente nos fará alcançar o desígnio de um livro ou passagem, esclarecendo e explicando pontos obscuros e contraditórios. Por exemplo, as epístolas dirigidas aos Gála- tas e aos Colossenses foram escritas na ocasião em que os judaizantes ou “falsos mestres” procuravam implantar seus erros doutrinários nas igrejas apostólicas. Portanto, estas cartas têm por desígnio expor, com extrema clareza, a salvação pela morte expiatória de Cristo e não pelas obras (observância de dias e cerimônias judaicas), a disciplina do corpo e a filosofia que mascarava a falsidade.
Tendo um objetivo determinado, desaparecem as aparentes contradições. A contradição superficial entre a declaração de Paulo, que diz que o “homem é justificado pela fé sem as obras”, e a declaração de Tiago, que diz que “o homem é justificado pelas obras e não somente pela fé”, desaparece quando levamos em conta o desígnio diferente que trazem as respectivas cartas (Rm 3.28; Tg 2.24). Paulo combate e rejeita o erro dos que confiavam nas obras da lei mosaica como meio de justificação, refutando a fé em Cristo, enquanto que Tiago combate o erro de alguns indisciplinados que se satisfaziam com uma fé imaginária, descuidando e rejeitando as boas obras. Paulo trata da justificação pessoal diante de Deus, enquanto Tiago se ocupa da justificação pelas obras diante dos homens. Os dois escritores harmonizam a fé e as obras diante de Deus e dos homens.
Quinta regra
Outra regra importante que enriquece o trabalho de interpretação bíblica diz respeito às passagens paralelas. Isto é, as passagens que fazem referências umas às outras, que possuem entre si alguma relação ou, de alguma forma, tratam de um mesmo assunto. A quinta regra diz assim:
E necessário consultar as passagens paralelas explicando as coisas espirituais pelas espirituais (ICo 2.13).
Observaremos, agora, três classes de paralelos: de palavras, de idéias e de ensinos gerais.
Paralelos de palavras
Quando o conjunto de frases ou regras do contexto não esclarece uma palavra duvidosa, procura-se. em alguns casos, o verdadeiro sentido consultando outros textos era que ela ocorre.
) Em Atos 13.22 está registrado que Davi foi um “homem segundo o coração de Deus”. Significa isto que Davi foi perfeito? No texto paralelo, em 1 Samuel 2.35, Deus disse: “Suscitarei para mim um sacerdote fiel, que procederá segundo o que tenha no coração”. Considerando toda a passagem, conclui-se que Davi, especialmente em sua qualidade de sacerdote-rei. procederia segundo o coração ou a vontade de Deus. Esta interpretação é confirmada na passagem paralela do capítulo 1 Samuel 13.14, na qual se comprova que. em vista da rebeldia e má conduta de Saul como rei. Davi seria homem segundo o coração de Deus.
Paralelos de idéias
Se quisermos alcançar uma informação completa e exata do que ensina a Sagrada Escritura em determinado texto obscuro ou discutível, é importante consultarmos os ensinos, as narrativas e os fatos contidos em passagens que esclarecem o texto tido como obscuro ou discutível. Vejamos alguns casos:
) Quando Jesus disse: “Sobre esta pedra edificarei a minha Igreja” (Mt 16.18), será que Jesus quis dizer que Pedro era o fundamento da Igreja? Será que Pedro de fato é o primeiro papa dos católicos?
Veja que Cristo não disse: “Sobre ti, Pedro”, e sim “sobre esta pedra edificarei a minha igreja”. Neste caso, as próprias palavras de Cristo e de Pedro, os melhores intérpretes, esclarecem o problema. Em Mateus 21.42.44 verifica-se que Jesus é a “pedra angular”, profetizada e tipificada no Antigo Testamento. O próprio Pedro (IPe 2.4-8) declara que Cristo é a pedra que vive, mas que foi rejeitada pelos judeus. O apóstolo Paulo reforça esta idéia ao falar que os irmãos de Éfeso estão “edificados sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas, sendo ele mesmo, Cristo Jesus, a pedra angular, no qual todo o edifício, bem ajustado, cresce para o santuário dedicado ao Senhor” (Ef. 2.20,21). Esta mesma idéia paralelamente se encontra na admoestação de Paulo aos Coríntios: “Porque ninguém pode lançar outro fundamento, além do que foi posto, o qual é Jesus Cristo” (ICo 3.10,11).
) Em 1 Coríntios 11.22-29, encontramos o “comer do pão e beber do vinho” como partes inseparáveis na ceia, pondo à disposição os elementos a todos os membros da Igreja, sem distinção. Ocorre que há certos comportamentos antibíblicos que desconhecem os paralelos de idéias que. inclusive, estão na mesma passagem. Ao quebrar este princípio, uns participam apenas do pão e outros apenas do vinho, na comunhão.
Paralelos de ensinos gerais
Felizmente, a Bíblia é um tesouro incomparável de coisas espirituais e práticas. Entretanto, precisamos saber manusear este tesouro. Por isso, se os paralelos de palavras e idéias não são suficientes para esclarecer um ponto doutrinário, é mister recorrer aos ensinos gerais das Escrituras (1 Co 15.3,14; At 3.18; Rm 12.6).
) Segundo o teor geral das Escrituras, Deus é espírito (Jo 4.4) onipotente, onisciente, puríssimo, santíssimo etc. Estes atributos estão confirmados em muitas passagens da Bíblia. Da mesma forma, há muitas passagens que apresentam Deus com características de ser humano. limitando-o ao tempo, lugar, espaço etc. Estas passagens devem ser interpretadas à luz dos “ensinos gerais”. Os textos de aparente contradição se harmonizam à luz dos ensinos
gerais exarados nas Escrituras.
) Nos paralelos aplicados à linguagem figurada é necessário determinar se urna passagem deve ser tomada literalmente ou em sentido figurado. O fato de alguém interpretar figuradamente não significa obrigatoriamente fazer que o objeto apontado adquira todas as características da figura, mas apenas envolvem as qualidades de destaque entre duas coisas, animais ou pessoas. Por exemplo, quando João Batista testemunhou de Cristo: “Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo” (Jo 1.29). não quis afirmar com isso que Cristo tinha todas as características de um cordeiro, antes, referiu-se tão-somente ao seu caráter manso e ao seu destino de ser sacrificado, como ocorria freqüentemente com o cordeiro sem defeito no contexto judaico. Outro exemplo, quando João, desta vez o apóstolo amado, disse: “Eis que o Leão da tribo de Judá, a raiz de Davi...” (Ap. 5.5), não quis representar aqui Cristo como um leão feroz e carnívoro, mas tão-somente aludiu à sua qualidade de rei poderoso, mais forte entre os homens, vitorioso, simbolizando a tribo de Judá.
Recapitulação das regras
Regra fundamental
Scriture sacre sui ipsius interpres — A Sagrada Escritura se interpreta a si própria.
Primeira regra
É indispensável, o quanto seja possível, tomar as palavras em seu sentido usual e ordinário.
Segunda regra
É fundamental tomar as palavras no sentido que indica o conjunto da frase, isto é, o versículo bíblico.
Terceira regra
É essencial tomar as palavras no sentido indicado no contexto, isto é, os versículos que antecedem e seguem o texto que se investiga.
Quarta regra
É importante considerar o objetivo ou desígnio do livro ou passagem em que ocorrem as palavras ou expressões obscuras.
Quinta regra
É necessário consultar as passagens paralelas explicando as coisas espirituais pelas espirituais (ICo 2.13).
Conscientes da importância destas regras para nos conduzir a uma interpretação bíblica ortodoxa, passemos agora a avaliar como a Bíblia foi interpretada na época da Reforma Protestante, por Martinho Lutero e João Calvino.
Faculdade ICP.
Pastor Muller