O pecado imperdoável
Sabemos que Deus perdoa os pecados cometidos, pois em Marcos 2.7 está escrito: “Por que diz este assim blasfêmias? Quem pode perdoar pecados, senão Deus?” Este resgate é levado a efeito através do sangue de Jesus Cristo derramado por nós na cruz do Calvário: “Em quem temos a redenção pelo seu sangue, a remissão das ofensas, segundo as riquezas da sua graça” (Ef 1.7). No entanto, segundo Mateus 12.32, parece haver uma “espécie” de pecado que não alcança o perdão ou não deve ser perdoado. Este trecho bíblico tem levado a várias interpretações e gerado dúvidas nos cristãos, pois afinal: “Deus perdoa ou não todos os pecados cometidos pelo ser humano?”. Sendo assim, existem pecados que podem ser considerados mais graves que outros? Há gradações de pecados? Os pecados não são todos iguais?
Antes de analisarmos o texto de Mateus 12.32, que encontra paralelos em Marcos 3.28,29 e Lucas 12.10, analisaremos a questão da transição gradual do pecado.
Distinguindo o pecado
Há uma intenção popular entre os cristãos em aumentar ou diminuir o pecado. Os cristãos não entendem muito bem essa questão e terminam polemizando e entrando em debates, quando se trata de conversar sobre o pecado na vida do ser humano, na vida do cristão. Pois afinal, parece que conscientemente há pecados que são “maiores ou menores”, ou aqueles que até podem ser cometidos, caso o delator necessite, pois parecem não se constituir em um pecado explícito ou direto, é o que pensam algumas pessoas.
E como é que Deus analisaria estes tipos de pecado? Qual a condição das pessoas que cometem pecados classificando-os como “maiores ou menores” perante Deus?
O catolicismo romano, por exemplo, classifica os pecados em duas categorias: pecado mortal e pecado venial. Biblicamente, existiria realmente esta classificação? Qual a diferença entre eles?
Pecado mortal
A igreja Católica Romana apresenta, para “provar” a existência destas duas categorias de pecado, o texto de 1João 5.16,17 que diz: “Se alguém vir pecar seu irmão, pecado que não é para morte, orará, e Deus dará a vida àqueles que não pecarem para morte. Há pecado para morte, e por esse não digo que ore. Toda a iniqüidade é pecado, e há pecado que não é para morte”.
Os pecados graves e cometidos conscientemente são classificados como mortais; os pecados praticados na ignorância são chamados de veniais.
Se a pessoa cometer o pecado mortal estará separado de Deus e se não receber o perdão acabará por ser condenado eternamente.
Quanto ao texto de 1João 5.16,17 há os que interpretam que a morte, que seria o efeito do pecado, é a morte física, pois de outra forma, se fosse a morte eterna, ou seja, a separação de Deus, haveria pecado que levaria o homem à morte eterna, sobre a qual não adiantaria orar. Os que advogam que seria a morte física acreditam que Deus alcança a todos com sua graça.
A outra interpretação é a de que a morte referida no texto seja a espiritual. A verificação final para tal condenação seria a apostasia. A estes apóstatas recaem a proibição de não orar, visto que já estão terminantemente condenados a eterna perdição.
Pecado venial
Este seria o pecado considerado menos grave, não realizado deliberadamente e sem a consciência do protagonista. A questão que deve ser analisada, entretanto, está em que existem pecados considerados “mortais” para a igreja romana. Aqueles que são praticados inconscientemente o catolicismo considera “pecados veniais”.
Se para a prática do “pecado mortal” não há solução, o “pecado venial” pode ser perdoado através das penitências. Mas o que seria o ensino da penitência segundo a igreja Católica Romana?
Penitência
Esta é a definição da igreja Romana: “A penitência, chamada também confissão, é o sacramento instituído por Jesus Cristo para perdoar os pecados cometidos depois do batismo. Depois de feito o sinal da Cruz, o católico deve dizer: Eu me confesso a Deus todo-poderoso, à bem-aventurada sempre Virgem Maria, a todos os Santos, e a vós, padre, porque pequei. As obras de penitência podem reduzir-se a três espécies: à oração, ao jejum, à esmola”.
Analisando 1João 5.16,17
Vimos anteriormente as duas interpretações acerca deste texto. Se há divergência na questão interpretativa, há, no entanto, o consenso de que não se trata da questão de diferenças de pecado como classificados pela igreja Romana como venial ou mortal.
Veremos, mais adiante, que existem casos em que realmente a atitude de orar por tal pessoa que pratica o pecado deliberadamente se torna uma ação frustrante. Estamos falando de pessoas que já determinaram em seus corações persistirem nos seus caminhos pecaminosos.
O texto supracitado não fala nada acerca do “pecado imperdoável”. No entanto, seria bom que entendêssemos como sendo pecados que levam à morte física, o que não implica necessariamente em que a pessoa se perca eternamente. Até porque, os cristãos são aconselhados, pela Bíblia, a orar pelas pessoas independentemente dos seus pecados ou de sua condição religiosa. Note, por exemplo, o pedido do apóstolo Paulo para que oremos pelas autoridades governamentais em Romanos 13.1-7.
Graus de pecado
A intensidade do pecado sugere um efeito recíproco. Jesus disse aos fariseus: “Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! pois que devorais as casas das viúvas, sob pretexto de prolongadas orações; por isso sofrereis mais rigoroso juízo” (Mt 23.14).
Conforme a lei divina, qualquer pecado, independente de sua intensidade, nos torna culpados perante Deus e nos leva ao castigo eterno. Mesmo sem conhecermos profundamente os pormenores do pecado de Adão e Eva, certamente sabemos que a sentença de Deus foi taxativa: “Mas da árvore do conhecimento do bem e do mal, dela não comerás; porque no dia em que dela comeres, certamente morrerás” (Gn 2.17).
O casal não precisou pecar várias vezes e de forma variada e diferenciada para que a transgressão da lei divina fosse evidenciada: “Porque o juízo veio de uma só ofensa, na verdade, para condenação, mas o dom gratuito veio de muitas ofensas para justificação” (Rm 5.16).
Se legalmente somos culpados perante Deus ao pecarmos, todavia, existem pecados que trazem conseqüências diferenciadas na nossa comunhão com Ele e também perante a sociedade.
Quando Jesus estava perante Pilatos, falou a respeito de Judas que o havia traído e entregue ao Conselho judaico e, posteriormente, aos romanos, identificando a gravidade do seu pecado: “Respondeu Jesus: Nenhum poder terias contra mim, se de cima não te fosse dado; mas aquele que me entregou a ti maior pecado tem” (Jo 19.11). Se Pilatos, condenando a Jesus, contrário a sua vontade, cometia pecado e era passível de condenação, contudo, Judas que foi discípulo de Jesus, ao pecar deliberada e conscientemente cometeu pecado maior do que Pilatos.
No sermão da montanha, Jesus faz alusão à obediência a todos os mandamentos, denotando intensidade de pecados quando disse: “Qualquer, pois, que violar um destes mandamentos, por menor que seja, e assim ensinar aos homens, será chamado o menor no reino dos céus” (Mt 5.19).
No Antigo Testamento, no livro de Levítico, que trata de vários sacrifícios que deveriam ser ofertados pelos hebreus quando pecassem, há referências aos pecados praticados por ignorância. Note por exemplo estes versículos:
Entretanto, há pecados que são cometidos descaradamente: “Mas a pessoa que fizer alguma coisa temerariamente quer seja dos naturais quer dos estrangeiros, injuria ao SENHOR; tal pessoa será extirpada do meio do seu povo” (Nm 15.30). A tradução bíblica Almeida Atualizada em vez de dizer “temerariamente” diz “atrevidamente”. Tanto o pecado é diferente um do outro quanto as suas conseqüências.
Quando um servo de Deus peca, sua condição perante Ele é mais séria se comparado àquele que ainda nem aceitou o evangelho. Essa situação se agrava quando se trata de uma autoridade eclesiástica: “Meus irmãos, muitos de vós não sejam mestres, sabendo que receberemos mais duro juízo” (Tg 3.1).
A análise divina sobre os graus de pecado
Relembrando a questão do pecado ser “mortal” ou “venial” conforme o ensino católico, já vimos que a Bíblia nada diz a respeito, pois Deus está pronto a perdoar qualquer tipo de pecado, desde que a pessoa queira. No ensino católico romano, os pecados veniais podem ser reparados através dos castigos e sofrimentos infligidos à pessoa aqui na terra ou no purgatório antes de ir para o céu.
No entanto, para Deus, não somente todos os pecados são mortais, no sentido de separar o homem eternamente de si (Deus), como também se consegue perdão, independente de sua gravidade: “Não sabeis que os injustos não hão de herdar o reino de Deus? Não erreis: nem os devassos, nem os idólatras, nem os adúlteros, nem os efeminados, nem os sodomitas, nem os ladrões, nem os avarentos, nem os bêbados, nem os maldizentes, nem os roubadores herdarão o reino de Deus. E é o que alguns têm sido; mas haveis sido lavados, mas haveis sido santificados, mas haveis sido justificados em nome do Senhor Jesus, e pelo Espírito do nosso Deus” (1Co 6.9-11).
Aprendemos assim, que há pecados que quando praticados de modo arbitrário e consciente, desagradam a Deus mais dos que os que são praticados na ignorância. Desta forma, chegamos assim ao tópico do “pecado arbitrário”.
Conceitos errôneos acerca do pecado imperdoável
Voltando ao texto de Mateus 12.32 observamos que há um pecado imperdoável. Como entender esta questão? Jesus disse: “E, se qualquer disser alguma palavra contra o Filho do homem, ser-lhe-á perdoado; mas, se alguém falar contra o Espírito Santo, não lhe será perdoado, nem neste século nem no futuro”.
Primeiro vamos analisar o que este texto não quer dizer. Vejamos o que o texto não significa:
A ação de não crer em Jesus Cristo e o rejeitar mesmo ante a morte física
Os que crêem nisso dizem que não crer em Jesus implicaria em não crer também no Espírito Santo. No entanto, o texto não se enquadra dentro desta possibilidade mesmo entendendo que os que se recusam a crer em Jesus, com certeza, não alcançarão perdão. No caso em questão, o próprio Jesus está se referindo ao Espírito Santo e não a ele próprio.
Que as pessoas não poderiam recusar a Cristo pelo fato de ele ser inspirado pelo Espírito Santo
Esta idéia é quase igual ao primeiro pensamento exposto, mas, ainda não trata da blasfêmia contra o Espírito Santo. Não crer, de forma ortodoxa em Jesus, não significa necessariamente não crer no Espírito Santo, e mais, o pecado contra Jesus alcança o perdão.
Abandonar a fé após ter experimentado a nova vida em Cristo
Os que pensam assim tomam como base o texto de Hebreus 6.4-6 que afirma: “Porque é impossível que os que já uma vez foram iluminados, e provaram o dom celestial, e se tornaram participantes do Espírito Santo, e provaram a boa palavra de Deus, e as virtudes do século futuro, e recaíram, sejam outra vez renovados para arrependimento; pois assim, quanto a eles, de novo crucificam o Filho de Deus, e o expõem ao vitupério”. Esta condenação, no entanto, não explica a blasfêmia contra o Espírito Santo e não esclarece que rejeitar a Cristo resulta em perda da salvação pelos verdadeiros cristãos.
O sentido correto acerca do pecado imperdoável
Há um grupo de palavras traduzidas como blasfemar que ocorrem 56 vezes no texto grego do Novo Testamento. O verbo grego blasphemeo por sua vez ocorre 34 vezes com o sentido de falar acusatoriamente, injuriar, descompor e caluniar. O substantivo blasfhemia ocorre 18 vezes no texto grego e tem o sentido de injúria, detração, difamação e fala injuriosa. As outras quatro ocorrências estão na forma adjetiva. Segundo Joseph Thayer, o sentido que deve ser atribuído à blasfêmia é a de “falar injuriosamente contra o bom nome de alguém ou ainda falar de forma injuriosa contra a majestade divina”.
Todavia, o pano de fundo que nos dá a compreensão do significado desta palavra se acha no Antigo Testamento, em que encontramos um grupo de palavras sinônimas que são traduzidas com o sentido de blasfêmia. Os termos hebraicos gadap (Nm 15.30), hârap (2Rs 19.22), nâqab (Lv 24.16) e nâ’ats (Ne 9.18) são traduzidos respectivamente por “injuriar” (pessoas), “blasfemar” (contra Deus); “reprovar”, “blasfemar”, “desafiar”, “insultar”, “censurar”; “blasfemar”, “nomear” e “desprezar”, “rejeitar”, “abominar”. O substantivo blasfêmia, por exemplo, no Salmo 74.10 pode ser traduzido como “dizer coisas duras, censurar, zombar”. “Blasfemar”, portanto, tem o sentido de “falar (não apenas pensar) de forma deliberada e consciente contra a autoridade divina”.
Voltemos ao texto de Mt 12:31-32. Não obstante esta porção bíblica ter sofrido as mais variadas interpretações, há praticamente um consenso entre a erudição bíblica sobre o seu significado. No contexto do Novo Testamento a blasfêmia (mais especificamente na referência que ora discutimos), mantém o sentido de “atribuir ao diabo aquilo que é obra de Deus”, isto é, o que se constitui uma injúria e um insulto contra Deus. No contexto em lide, Jesus acabara de libertar um endemoninhado que era “cego e mudo” (v.22). Diante de uma demonstração inequívoca do poder do Espírito Santo operando através de Jesus, os fariseus motivados por orgulho religioso murmuraram: “ Este não expele os demônios senão pelo poder de Belzebu, maioral dos demônios” (v.24). Os fariseus atribuíram a Satanás aquilo que era obra do Espírito Santo e Jesus disse que isto era uma blasfêmia.
Mas por que isso se constituiria em pecado imperdoável? De acordo com o Evangelho de João, o Espírito Santo é quem “convence do pecado” (Jo 16.8), e sendo Ele blasfemado, isto é injuriado e tendo suas obras atribuídas a Satanás, quem irá convencer agora o homem? A.T. Robertson observa que é justamente isso que caracteriza o pecado imperdoável: “ao dizer que Jesus tinha um espírito imundo eles atribuíram ao diabo uma obra do Espírito Santo”. Colin Brown observa que o “homem que blasfema contra o Espírito Santo é aquele que reconheceu que Deus está operando mediante o Espírito Santo, nas ações de Jesus, e que deliberada e conscientemente dá uma definição falsa da fé em Deus como sendo fé no diabo”. Motivados por uma teimosia cega, os fariseus preferiram chamar de trevas aquilo que era perfeita luz. Brown ainda observa oportunamente que “aqueles que tenham sido atormentados pelo medo de que talvez tenham cometido o pecado imperdoável, que sua própria preocupação temerosa é, de si mesma, um sinal de que não cometeram o pecado contemplado no ensino de Jesus neste ponto”.
Faculdade ICP
Pastor Muller